sábado, 5 de abril de 2014

Opinião - «Sozinhos na ilha» - Tracey Graves

Já li este livro há algum tempo. Terminei-o precisamente na noite de passagem de ano e acabei por não ter tempo de escrever uma opinião sobre ele, durante a época de festas. Depois surgiram outras leituras e esta crítica acabou por passar, mas o livro não ficou esquecido e irei recordar sempre a história com carinho.
 

Tenho um aviso a fazer: história altamente viciante! Li-o em e-book (foi um tremendo presente de Natal) e tenho muita pena de não o ter na minha estante, para que eu possa sorrir-lhe sempre e recordar-me da Anna e do T.J. por entre a areia, as águas azuis e os golfinhos simpáticos da ilha que os acolheu, depois da queda do avião onde seguiam, e que acabou por se tornar na sua casa durante anos.

Foi uma obra que me arrebatou completamente. Adorei cada pormenor de sobrevivência, cada gesto de amizade e de amor entre a Anna e o T.J., uma relação maravilhosa que vai crescendo a um ritmo alucinante e viciante e que me manteve presa às páginas do livro até à última letra. Na altura, andava desiludida com as minhas últimas leituras e estava pronta a pôr as culpas na minha Kobo, por não estar habituada a ler em e-reader e pensar que as obras não teriam em meios digitais o mesmo gosto do folhear das páginas por entre os dedos. Como estava enganada! Um bom livro lê-se em qualquer sítio, num e-reader, numa folha de papel esborratada e até às escuras.

Foi a minha estreia com a autora e surpreendeu-me pela positiva. T.J. é um personagem com P maiúsculo, pela sua tenra idade e, ao mesmo tempo, maturidade em relação aos jovens da sua idade, talvez pelo problema de cancro que havia ultrapassado e que o moldara de alguma forma. O seu altruísmo, a sua generosidade e a forma como amou a Anna, não um amor repentino, mas bem delineado, bem pensado e escrito, com as palavras, a química e os gestos na altura certa, conquistaram-me. Não me parece possível que um leitor não acredite no amor entre estes dois. A Anna, por seu lado, uma mulher adulta e madura, incapaz de sucumbir aos ciúmes ou de impedir o T.J. de viver a sua vida, mesmo sabendo que podia perdê-lo. Ela libertou-o para que ele voasse de volta para si, se o pretendesse, e penso que essa é a mais bonita forma de amar.

O que dizer daquele primeiro beijo, no abrigo? O que dizer da forma como a Ana tratou o T.J., quando ele mais precisava, e de como ele próprio o fez com ela, quando Anna sucumbiu à fraqueza? As cenas íntimas entre ambos foram simplesmente lindas. Arrepiei-me, chorei e sorri e...nem sei. Só sei que Tracey Graves fez as coisas tão bem que só tenho de elogiá-la.

Aquele final fez-me chorar de felicidade e podem ter a certeza de que entrei mais feliz no novo ano. Amei e quero mais! Recomendo :)
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Opinião - «Memória das minhas putas tristes» - Gabriel García Márquez

Ok, que livro estranho. Tem, na sua maioria, boas classificações, o que me leva a pensar: Será que é falha minha? Foi o primeiro livro que li do autor Gabriel García Márquez e estava há tanto tempo na estante que pensei: é desta.
 
 
 


Confesso que a leitura me desiludiu um pouco. A escrita é boa, embora, na versão que li, não se faça distinção entre um diálogo e o texto corrido, nem com travessões ou sequer itálico. Admito, no entanto, que me foi fácil perceber a quem pertencia cada voz. Este é o mal menor.

Acho que o mal está na história: um velho jornalista decide, no dia do seu 90.º aniversário, dar um presente a si mesmo e desflorar uma virgem no bordel da sua velha amiga Rosa Cabarcas, onde passou tantas noites da sua vida, visto ser um homem que nunca casou, dedicando-se inteiramente às artes do sexo, por entre os lençóis das suas "putas tristes". E triste é a história, também. A sua velha amiga acaba por arranjar-lhe uma virgem de catorze anos que, de tão assustada pela sua primeira vez, tem de ser sedada e o velho jornalista encontra-a sempre a dormir, dessa e de todas as outras vezes em que a visita.

A minha pergunta é: Porquê, meu Deus? E esta pergunta serve para muitas coisas: Porque é que que um velho de noventa anos quer desflorar uma virgem? Não se chamaria a isso pedofilia, mesmo que a virgem seja uma puta? Compreendo os motivos dele, dado o seu carácter sempre leviano, mas porque não outra mulher qualquer?

Ponto dois: se o autor escolheu mesmo uma virgem, pela qual o jornalista acaba por se apaixonar (não pelo que Delgadina, como a chama, é, mas pelo que parece, nua e jovem a dormir ao seu lado, visto que nunca chegam a conversar, ou a olhar-se, sequer) porque é que ele nunca chega a apanhá-la acordada? O medo da sua primeira vez tinha de desaparecer, eles tinham de manter um diálogo, uma interacção, uma química, mas nada disso acontece. Este velho a quem Rosa Cabarcas intitula de sábio mantém uma paixão platónica pela miúda de catorze anos que não passa disso mesmo, e aproveita-se dela enquanto dorme, seja com beijos e carícias, seja com histórias que lhe conta e músicas que lhe canta aos ouvidos. Depois ainda lhe chama "puta" alto e bom som, quando pensa que ela já não é virgem, e Delgadina continua sem lhe responder ou olhá-lo, limitando-se a encolher-se, enquanto ele tem um ataque de ciúmes, quando a rapariguinha nunca foi dele e, convenhamos, jamais poderá ser. Começo a desconfiar que Delgadina nunca existiu, senão na mente do velho jornalista.

E pronto. Fim de história. Delgadina nunca chega a acordar e ele fica à espera da morte, sem nunca ter conhecido a mulher por quem platonicamente se apaixonou.

Isto foi estranho, principalmente se tentarmos imaginar a história pela cabeça de um homem de noventa anos, apaixonado por uma miúda de catorze que só existe nos seus sonhos. As minhas duas estrelas vão para a escrita do autor, que é bonita e fluída, mas a história não me cativou. Foi aborrecida e confesso que estava a desejar que as páginas terminassem.
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quinta-feira, 3 de abril de 2014

Opinião - «Nas teias do poder» - Fernando Teixeira

«Nas teias do Poder» é o primeiro livro, creio, do jovem autor Fernando Teixeira, que o escreveu quando tinha apenas dezasseis anos. Arrisco dizer que foi demasiado cedo. É uma história com apenas 96 páginas que me custou mais a ler do que muitas de 600.
 
 
Até a meio do livro, não percebi, sinceramente, qual era a história. Penso que não existia. O que lia eram apenas fragmentos de pensamentos do autor, sem contexto, nem nexo, divagações imperceptíveis sobre a actualidade no geral. A partir do meio do livro, continuei sem perceber a história, se era um surto de gripe no País, se era uma crítica social à actualidade política, com um aprofundamento muito fraco, um romance entre a fictícia ministra da saúde e o seu grande amor René, ou ainda um romance policial, quando este último tenta vingar-se pelo facto de Marisa o ter abandonado e acaba por raptá-la.

Para além de a estrutura/enredo não funcionar, pois não existe uma ideia de história definida, tudo foi escrito muito à pressa. Parecia que o autor estava a desejar terminar o livro, sem nunca o ter começado. O romance entre a Marisa e o René, por exemplo: no mesmo dia, ele passa de convencido a um santo que merece pena, contando a Marisa fragmentos do seu passado que nunca poderia ter contado com total indiferença e falta de tacto a uma desconhecida. E no mesmo dia, beijam-se e passam a amar-se. O último diálogo entre ambos parecia uma conversa de final de história, quando era a primeira vez que se falavam. Achei surreal. Depois, as incoerências e um afastar da realidade que tornou os acontecimentos algo ridículos, a meu ver.

Alguns exemplos:

- Um paciente em falência hepática chega ao hospital, é prontamente levado ao bloco de cirurgia e nem meia hora depois já tem o órgão compatível de que necessita para fazer um transplante. Era bom que assim fosse, mas existem listas de espera intermináveis nestes casos e muitas vezes não chega a haver compatibilidade, nem órgãos disponíveis;

- Pessoas a entrarem a gritar pelos corredores do hospital e terem acesso aos blocos cirúrgicos;

- Enfermeiras a gritar nos corredores com um intruso cidadão ao lado (que entrou no hospital e dirigiu-se logo a uma enfermeira - não existem recepções/cartões de visita?) - Ninguém pode entrar assim num hospital - como estava a dizer, enfermeiras a gritar pelo cirurgião e este a aparecer em seguida para tratar de um doente com gripe;

- Uma ministra da saúde que trata os outros abaixo de cão e que não faz mais nada, senão jogar solitária o dia inteiro no seu escritório, com uma poltrona por debaixo do rabo e com o ar-condicionado ligado no máximo, só "por descuido ou porque o seu salário o permite"... Compreendo que o autor tentava aqui fazer alguma crítica social ao País em que vivemos, mas não soube fazê-la. Não me parece que seja o método adoptado pela nossa ministra.

- Uma secretária de ministra que sai a correr em busca da ministra e que, no percurso, ao invés de pensar em algo relacionado com o sucedido, pensa em como desejara um dia ser atleta de alta competição e como os apoios no nosso País são escassos para todos os desportistas (penso que o autor queria aqui exaltar talvez alguns dos seus próprios pensamentos, como penso que fez ao longo do livro com todos os personagens, o que fez com que nenhuma das personagens tivesse carácter - todos tinham fragmentos do carácter do autor);

- Um René que, num capítulo que não tem razão de existir, vai ao psicólogo para se anunciar louco e em que o dito psicólogo o apalpa...onde? não compreendi a razão disto e dos pensamentos posteriores do psicólogo que não aparece mais...para não falar que o René saiu de casa onde mantinha cativa Marisa entretanto - o leitor não sabe como. (Confuso).

Tudo o resto foi uma sequência de acontecimentos envolvendo ladrões e polícia que mais parecia um filme, tudo tão rápido que só tive tempo de arregalar os olhos com a surpresa.

Cheguei cansada ao fim do livro, isto porque aquelas míseras páginas pareciam não ter fim. Peço desculpa ao autor, que escreve, apesar de tudo, quase sem erros e de forma fluída, mas a história e os personagens não resultaram. Acho que a obra é fruto de alguma imaturidade. Penso que, para primeiro livro, o autor deveria ter escolhido um tema com o qual se familiarizasse, desporto, talvez, já que é jornalista desportivo. Espero que o autor possa procurar leitores-beta que o ajudem a melhorar os seus futuros trabalhos.
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terça-feira, 1 de abril de 2014

Opinião: «Lolita», de Vladimir Nabokov

Uma obra perturbadoramente bela com uma escrita e um encadeamento sublimes, que me despertou sentimentos controversos.
 
 
 
 
 
 
 
Durante grande parte da história, considerei Humbert um homem nojento e cobarde. Nojento, por não se impedir de fazer o que faz a Lolita, mesmo tendo momentos de lucidez, em que tem consciência dos erros que comete. Cobarde, por ser tão tímido, tão pacato e inerte como uma lagartixa a repousar ao sol. Tudo lhe cai no colo e deu-me a entender, quase até meio do livro, que queria mostrar-se inocente, aos olhos dos leitores, dos seus pecados. Não era capaz de fazer mal a Lolita, não de uma forma violenta, e tudo o que queria era aproveitar-se dela, sem ter de a enfrentar, com um receio que tornou Humbert aos meus olhos ainda mais abominável.
 
Primeiro, tem a sorte de se casar com a mãe de Lolita, somente porque ela o ama. Depois, vê-a morrer na estrada, por acidente, quando tantas vezes sonhara em matá-la, sem nunca ser capaz de o fazer. Mais tarde, tenta manipular Lolita, e como os comprimidos não resultam, o autor arranja uma forma brilhante de inocentar novamente Humbert o maníaco, descrevendo Lolita como a adolescente ousada (mais do que parecia ser), sendo mesmo ela que acaba por seduzi-lo. Mais uma vez, o destino está sempre do lado de Humbert e isto irritou-me muito.
 
Esperava um pedófilo violento, preto no branco, embora já conhecesse os contornos da história, através do filme que vi há muitos anos. Esperava alguma bravura por parte deste Humbert para concretizar os seus planos. Este amante de ninfitas pacato e doce provocou-me arrepios, porque escondia tão bem a maldade do leitor que eu já sabia que ele seria o pior dos maníacos. Isto pôs-me a pensar nas características de um pedófilo e ver a história de Humbert retractada na primeira pessoa assustou-me muito.
 
O que dizer de Lolita? Uma menina de doze anos sem dúvida diferente, ousada, também ela pervertida, que acaba por ajudar ao jogo a que, de qualquer forma, não escaparia. Talvez a sua ousadia a tenha salvo, mas gostava de saber mais sobre ela, sobre a visão dela das coisas. A história contada na primeira pessoa, pela voz de Humbert, limita muito a imaginação do leitor em relação a esta Lolita, e só mesmo no final do livro é que Humbert nos mostra um pouco o relato da criança sofrida que ela mostrava ser, quando tentava esconder as lágrimas. O que é que ela sentiu com tudo isto? Como é que esta experiência mudou a vida dela? Sei que esta história é sobre Humbert Humbert, o "pai" incestuoso, mas ficou este vazio em relação à menina de doze anos que o leva à loucura.
 
Ao longo do livro, os meus sentimentos foram mudando. Humbert tornou-se mais aquilo que esperava dele: ciumento, possessivo, violento, e Lolita mais aquilo que esperava dela: uma criança estragada pela vida que a obrigaram a viver, ansiosa por uma fuga.
Foi uma obra que me prendeu até ao último minuto, pela escrita magnífica, pelo enredo e pelos personagens excelentemente retractados, e sobretudo pelos pensamentos, alucinações e loucura de Humbert. Chorei pela vida desta criança, pela infância que perdeu e por todas as violações que foi obrigada a suportar, mas creio que chorei também por Humbert, não diria por pena, talvez seja demasiado benevolente, mas amargura pelo tormento da sua mente, que nunca o abandonou. O vício ou a doença, chamemos-lhe, que o contaminava, consumiu-o e devorou-o e não restou nada daquele homem aparentemente doce, que não desejava bater, nem violar. Desejava apenas o prazer carnal e o amor proibido de uma criança. "Não a podia matar a ela, claro, como alguns pensaram. Compreendem, eu amava-a. Foi amor à primeira vista, à última vista, a todas as vistas". Confesso que não esperava por isto. Este homem aparentemente louco conseguiu, em algum momento de lucidez, dar uma enorme quantia de dinheiro à sua Lolita e deixá-la partir para a felicidade. De alguma forma, este desfecho deu-me alguma paz.
Vladimir Nabokov era, sem dúvida, um grande escritor. «Lolita» é um clássico a não perder.
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Fotografia

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