terça-feira, 1 de abril de 2014

Opinião: «Lolita», de Vladimir Nabokov

Uma obra perturbadoramente bela com uma escrita e um encadeamento sublimes, que me despertou sentimentos controversos.
 
 
 
 
 
 
 
Durante grande parte da história, considerei Humbert um homem nojento e cobarde. Nojento, por não se impedir de fazer o que faz a Lolita, mesmo tendo momentos de lucidez, em que tem consciência dos erros que comete. Cobarde, por ser tão tímido, tão pacato e inerte como uma lagartixa a repousar ao sol. Tudo lhe cai no colo e deu-me a entender, quase até meio do livro, que queria mostrar-se inocente, aos olhos dos leitores, dos seus pecados. Não era capaz de fazer mal a Lolita, não de uma forma violenta, e tudo o que queria era aproveitar-se dela, sem ter de a enfrentar, com um receio que tornou Humbert aos meus olhos ainda mais abominável.
 
Primeiro, tem a sorte de se casar com a mãe de Lolita, somente porque ela o ama. Depois, vê-a morrer na estrada, por acidente, quando tantas vezes sonhara em matá-la, sem nunca ser capaz de o fazer. Mais tarde, tenta manipular Lolita, e como os comprimidos não resultam, o autor arranja uma forma brilhante de inocentar novamente Humbert o maníaco, descrevendo Lolita como a adolescente ousada (mais do que parecia ser), sendo mesmo ela que acaba por seduzi-lo. Mais uma vez, o destino está sempre do lado de Humbert e isto irritou-me muito.
 
Esperava um pedófilo violento, preto no branco, embora já conhecesse os contornos da história, através do filme que vi há muitos anos. Esperava alguma bravura por parte deste Humbert para concretizar os seus planos. Este amante de ninfitas pacato e doce provocou-me arrepios, porque escondia tão bem a maldade do leitor que eu já sabia que ele seria o pior dos maníacos. Isto pôs-me a pensar nas características de um pedófilo e ver a história de Humbert retractada na primeira pessoa assustou-me muito.
 
O que dizer de Lolita? Uma menina de doze anos sem dúvida diferente, ousada, também ela pervertida, que acaba por ajudar ao jogo a que, de qualquer forma, não escaparia. Talvez a sua ousadia a tenha salvo, mas gostava de saber mais sobre ela, sobre a visão dela das coisas. A história contada na primeira pessoa, pela voz de Humbert, limita muito a imaginação do leitor em relação a esta Lolita, e só mesmo no final do livro é que Humbert nos mostra um pouco o relato da criança sofrida que ela mostrava ser, quando tentava esconder as lágrimas. O que é que ela sentiu com tudo isto? Como é que esta experiência mudou a vida dela? Sei que esta história é sobre Humbert Humbert, o "pai" incestuoso, mas ficou este vazio em relação à menina de doze anos que o leva à loucura.
 
Ao longo do livro, os meus sentimentos foram mudando. Humbert tornou-se mais aquilo que esperava dele: ciumento, possessivo, violento, e Lolita mais aquilo que esperava dela: uma criança estragada pela vida que a obrigaram a viver, ansiosa por uma fuga.
Foi uma obra que me prendeu até ao último minuto, pela escrita magnífica, pelo enredo e pelos personagens excelentemente retractados, e sobretudo pelos pensamentos, alucinações e loucura de Humbert. Chorei pela vida desta criança, pela infância que perdeu e por todas as violações que foi obrigada a suportar, mas creio que chorei também por Humbert, não diria por pena, talvez seja demasiado benevolente, mas amargura pelo tormento da sua mente, que nunca o abandonou. O vício ou a doença, chamemos-lhe, que o contaminava, consumiu-o e devorou-o e não restou nada daquele homem aparentemente doce, que não desejava bater, nem violar. Desejava apenas o prazer carnal e o amor proibido de uma criança. "Não a podia matar a ela, claro, como alguns pensaram. Compreendem, eu amava-a. Foi amor à primeira vista, à última vista, a todas as vistas". Confesso que não esperava por isto. Este homem aparentemente louco conseguiu, em algum momento de lucidez, dar uma enorme quantia de dinheiro à sua Lolita e deixá-la partir para a felicidade. De alguma forma, este desfecho deu-me alguma paz.
Vladimir Nabokov era, sem dúvida, um grande escritor. «Lolita» é um clássico a não perder.

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